O Vizinho
A casa estava cheia quando acordei naquele domingo pela manhã. Tios, tias, primos e primas, além da minha avozinha, viriam nos visitar para um almoço em família. Muitos chegaram cedo e minhas primas foram logo para o meu quarto me acordar, enquanto minhas tias conversavam e riam alto com a minha mãe, lá na cozinha. Apesar da alegria de todos naquela manhã de domingo eu estava um tanto melancólico. Na casa ao lado algo mudava... A propósito, meu nome é Lucas.
Minhas
primas me acordaram; elas estavam animadas pedindo para que eu levantasse para
irmos jogar alguma coisa no vídeo game ou tomar banho de piscina. Eu não queria
levantar, queria dormir e esquecer que aquele dia havia chegado. No entanto,
levantei-me, sorrindo meio que sem vontade para Amanda, Milla e
Vanessa,
minhas primas. Nós tínhamos a mesma idade praticamente, eu sendo o mais velho,
com quase vinte anos e elas com quinze, dezesseis e dezessete, respectivamente.
Crescemos juntos e muito unidos. Havia também alguns primos, que eram alguns
anos mais velhos que eu. Fiquei alguns minutos no quarto com as meninas,
conversando. Não queria sair de lá. Logo, minha mãe gritou para eu levantar e
ir pedir a benção para minha avó, que já estava a minha espera. Disse para as
meninas avisarem a vó que eu iria tomar banho e que já estava indo... Peguei a
toalha e fui tomar um banho rápido. Durante o banho lembrei-me daquele sorriso,
daquele olhar. Fiquei triste, pois nunca mais os veria. Bateram na porta do
banheiro. Terminei o banho e saí, retornando ao meu quarto para trocar-me.
Chegando lá levei um susto. Um corpo moreno, delgado e nu estava em meu quarto.
-
Eai primão, tudo bem?! – perguntou Roberto, com um sorriso no
rosto ao me ver entrar no quarto, vestindo uma sunga preta.
Recuperei
do susto inicial em ver meu primo nu de costas para mim e o cumprimentei meio
sem graça. Ele me convidou pra dar um mergulho na piscina e eu disse que mais
tarde eu iria me juntar a ele na piscina. Mentira. Tinha outros planos para
aquele domingo. Vesti um short e uma camisa simples, azul e fui pra sala...
Comecei o momento de bênçãos, juntando as mãos e direcionando primeiro a minha
avó, que estava na sala. Dei um abraço na simpática velhinha que estava no
sofá, junto das minhas primas que já estavam na sala preparando o vídeo game.
Cumprimentei duas tias que estavam na sala conversando com minha avó e pedi a
benção. Depois fui na cozinha e dei um beijo na minha mãe e em mais três tias,
que já estavam com as mãos na massa, ajudando a preparar o almoço. Conversei
com elas um pouco. O papo de sempre: como vão as coisas, como está a faculdade,
e, a mais constrangedora delas, como iam as namoradas. Sempre me esquivava com
um sorriso desta última pergunta. Sai da cozinha e fui pra varanda de trás,
pedi a benção para o meu pai e para os meus tios que ali estavam, acendendo a
churrasqueira. Na piscina, cumprimentei minhas duas primas mais velhas, Denise
e Liliane,
que estavam preparando-se para juntar-se a Roberto e Carlos, meus primos mais
velhos.
Sem
delongar muito na beira da piscina entrei de volta em casa, indo para o meu
quarto. Não estava muito feliz pra partilhar momentos em família. Estava
deitado na minha cama, ouvindo música, quando, acho que cochilei e só despertei
quando o sinal de alerta de mensagem fez vibrar o meu celular que estava em meu
peito.
“Já
tô aqui cara. Se quiser dá um pulo aqui em casa depois. Lene tá aqui,
inconsolável, rsrsrs”
Li
a mensagem no visor do celular e meu rosto iluminou-se de alegria. Levantei
rapidamente e passando rapidamente pela cozinha avisei a mãe que estava indo na
casa do seu João Alberto, me despedir. Sai de casa pelo portão da
frente e me encaminhei para a casa ao lado. Seu João Alberto morava na casa ao
lado da minha, desde meus treze anos de idade, quando mudou-se para o bairro
com a sua esposa e seu filho. Dona Inês tinha falecido há três
anos, deixando seu marido e seu filho sozinhos. A propósito, o nome do filho
deles é Júlio. Éramos melhores, ao menos costumávamos
ser, antes dele começar a namorar uma garota chamada Nátalia. Hoje eles estavam
separados...
Entrei
pelo portão aberto e segui entrando pelo portal de entrada da sala que também
estava aberto. A sala vazia, sem móveis, sem vida. Era triste entrar ali e ver
a casa deserta.
-
Bom dia Lucão! – cumprimentou seu João, quando veio do fundo da casa para ver
quem havia entrado. – Chega aqui no fundo... Júlio e Marlene estão lá na
cozinha, arrumando as últimas coisas.
Sorri
para o velho senhor, que desde sempre me tratava com muita gentileza, como se
fosse seu próprio filho. Tinha um grande respeito por ele e por dona Inês, que
era uma ótima contadora de história, sempre que eu chegava no final da tarde
após a escola, com o Júlio. Entrei na cozinha e lá estava tia Lene, como a gente
chamava carinhosamente Marlene, que era uma senhorinha com idade da minha
avó, que era a secretária do lar de muito tempo da família do Júlio. Foi ela
quem segurou as pontas quando dona Inês ficou doente de câncer e partiu...
Júlio
ao me ver abriu um sorriso lindo e seus olhos cativantes brilharam ao me ver.
Júlio estava se mudando com o pai para outra cidade e naquele domingo foram na
casa para buscar as últimas coisas da mudança e para desplantar todo o jardim
que dona Inês maravilhosamente tinha feito em volta da casa e que havia sido
muito bem cuidado por tia Lene nos últimos anos. Eu havia prometido que
ajudaria eles com o jardim. Júlio e eu fomos para fora da casa, levando pás e
um caixote cheio de vasos, para plantar algumas plantas. Conversamos, rimos, nos
divertimos... Nem parecia que aquilo
era uma despedida. Já havíamos desplantados muitas das plantas e flores do
jardim de dona Inês. Seu João Alberto fazia questão de levar as plantas de sua
mulher, pois esta era a lembrança mais valiosa que ele tinha dela: o cuidado
que ela tinha para com as plantas, flores, animais e pessoas. Não queria se
desfazer de nada que lembrasse dona Inês.
Júlio se emocionou quando começamos a cavar o pé de uma roseira azul, planta muito especial, por ter sido uma das últimas a ser plantada pela sua mãe, antes dela ficar no estágio mais avançado da doença. Lembro-me, que há quase quatro anos atrás, Júlio e eu plantamos aquela roseira, sob as instruções de dona Inês.
Rimos relembrando... Choramos juntos de saudades...
-
Não fica assim cara... Pensa que sua mãe está bem agora, que ela não está mais
sofrendo... – disse, tentando consolar meu amigo.
Os
últimos meses de vida da mãe dele foram dolorosos e bem sofridos. Lágrimas
caíram da face daquele jovem rapaz, que era alto, pele clara, cabelos lisos,
escorrendo pela testa. Ele era lindo. Terminamos de plantar uma muda de cada
espécie do jardim. Estávamos sujos e já era quase uma da tarde. Minha mãe
apareceu no portão, me chamando. Seu João e Marlene apareceram na frente da
casa, enquanto eu e Júlio íamos lá para frente. Minha mãe convidou-os para se
juntarem a minha família durante o almoço e seu João Alberto e Marlene
aceitaram, uma vez que na casa já não havia mais nada. Minha mãe mandou que nos
limpássemos na pia do corredor lateral, pois estávamos completamente sujos de
terra.
Fomos
nos lavar. Júlio estava com os braços sujos de terra, sua camisa estava toda
suja e até seus rosto e cabelo estavam sujos de poeira e terra. Eu estava bem
sujo também, mas nada comparado a ele. Começamos a lavar as mãos, lado a lado. Tirei
o grosso da terra de minhas mãos e pedi para ele esperar, que iria pegar um
sabonete para nos limparmos melhor. Voltei em poucos instantes e entreguei o
sabonete na mão do Júlio... Intencionalmente, toquei na mão dele. Era a minha
última chance de demostrar o que realmente sentia por ele.
-
Está sujo aqui, ó... No seu braço... – disse, sorrindo, ensaboando a lateral do
braço esquerdo dele. Júlio sorriu. – Eu vou sentir sua falta... – disse, agora
com voz triste, desfazendo o sorriso.
-
Eu também... – disse Júlio, olhando no fundo dos meus olhos.
Estávamos
lado a lado. Por um instante não me refreei ao desejo que há muito tempo vinha
tolhendo dentro de meu peito. Meu rosto se aproximou lentamente do rosto de
Júlio e antes que eu fechasse meus olhos percebi que ele estava fazendo o
mesmo. Nossos lábios se encontraram e selaram um beijo intenso e cheio de
sentimentos. Ele soltou o sabonete na pia, com a torneira jorrando água e
envolveu os braços em meu pescoço, ao passo que eu abracei-o pela cintura. Nossas
línguas valsaram juntas, um na boca do outro e lágrimas caiam dos meus olhos ao
perceber que aquele tinha sido meu primeiro e último beijo com Júlio. Paramos
de nos beijar. Júlio enxugou minhas lágrimas com a mão esquerda que já estava
limpa, sem deixar de me abraçar, com seu corpo colado ao meu.
-
Lucas! – gritou Denise, surgindo de biquíni e toda molhada no corredor. –
Ops... – disse ela, sem graça, ao ver Júlio e eu abraçados, com os rostos bem
próximos. Neste mesmo instante, Júlio e eu nos afastamos e ele ficou de costas
para ela, lavando as mãos, enquanto eu continuava encarando minha prima, sem
graça. – O almoço tá pronto, vocês estavam demorando e a tia pediu para eu vir
te chamar... – disse ela, agora com um sorriso no rosto.
Era
o sinal de que tudo estava bem para ela e que este seria mais um de nossos
segredos de primos.
Depois
daquele dia Lucas e Júlio nunca mais se viram pessoalmente outra vez, mas cada
um guardou pra sempre a memória daquele domingo e daquele beijo...
POR
Cristian
Chocolath
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Gostou desse post? Deixe sua reação e aproveite para publicar seu comentário.
Obrigado.
Cristian Chocolath