segunda-feira, 24 de junho de 2013

Conto-Sonho: O Vizinho

O Vizinho

A casa estava cheia quando acordei naquele domingo pela manhã. Tios, tias, primos e primas, além da minha avozinha, viriam nos visitar para um almoço em família. Muitos chegaram cedo e minhas primas foram logo para o meu quarto me acordar, enquanto minhas tias conversavam e riam alto com a minha mãe, lá na cozinha. Apesar da alegria de todos naquela manhã de domingo eu estava um tanto melancólico. Na casa ao lado algo mudava... A propósito, meu nome é Lucas.

Minhas primas me acordaram; elas estavam animadas pedindo para que eu levantasse para irmos jogar alguma coisa no vídeo game ou tomar banho de piscina. Eu não queria levantar, queria dormir e esquecer que aquele dia havia chegado. No entanto, levantei-me, sorrindo meio que sem vontade para Amanda, Milla e Vanessa, minhas primas. Nós tínhamos a mesma idade praticamente, eu sendo o mais velho, com quase vinte anos e elas com quinze, dezesseis e dezessete, respectivamente. Crescemos juntos e muito unidos. Havia também alguns primos, que eram alguns anos mais velhos que eu. Fiquei alguns minutos no quarto com as meninas, conversando. Não queria sair de lá. Logo, minha mãe gritou para eu levantar e ir pedir a benção para minha avó, que já estava a minha espera. Disse para as meninas avisarem a vó que eu iria tomar banho e que já estava indo... Peguei a toalha e fui tomar um banho rápido. Durante o banho lembrei-me daquele sorriso, daquele olhar. Fiquei triste, pois nunca mais os veria. Bateram na porta do banheiro. Terminei o banho e saí, retornando ao meu quarto para trocar-me. Chegando lá levei um susto. Um corpo moreno, delgado e nu estava em meu quarto.

- Eai primão, tudo bem?! – perguntou Roberto, com um sorriso no rosto ao me ver entrar no quarto, vestindo uma sunga preta.

Recuperei do susto inicial em ver meu primo nu de costas para mim e o cumprimentei meio sem graça. Ele me convidou pra dar um mergulho na piscina e eu disse que mais tarde eu iria me juntar a ele na piscina. Mentira. Tinha outros planos para aquele domingo. Vesti um short e uma camisa simples, azul e fui pra sala... Comecei o momento de bênçãos, juntando as mãos e direcionando primeiro a minha avó, que estava na sala. Dei um abraço na simpática velhinha que estava no sofá, junto das minhas primas que já estavam na sala preparando o vídeo game. Cumprimentei duas tias que estavam na sala conversando com minha avó e pedi a benção. Depois fui na cozinha e dei um beijo na minha mãe e em mais três tias, que já estavam com as mãos na massa, ajudando a preparar o almoço. Conversei com elas um pouco. O papo de sempre: como vão as coisas, como está a faculdade, e, a mais constrangedora delas, como iam as namoradas. Sempre me esquivava com um sorriso desta última pergunta. Sai da cozinha e fui pra varanda de trás, pedi a benção para o meu pai e para os meus tios que ali estavam, acendendo a churrasqueira. Na piscina, cumprimentei minhas duas primas mais velhas, Denise e Liliane, que estavam preparando-se para juntar-se a Roberto e Carlos, meus primos mais velhos.

Sem delongar muito na beira da piscina entrei de volta em casa, indo para o meu quarto. Não estava muito feliz pra partilhar momentos em família. Estava deitado na minha cama, ouvindo música, quando, acho que cochilei e só despertei quando o sinal de alerta de mensagem fez vibrar o meu celular que estava em meu peito.

“Já tô aqui cara. Se quiser dá um pulo aqui em casa depois. Lene tá aqui, inconsolável, rsrsrs”

Li a mensagem no visor do celular e meu rosto iluminou-se de alegria. Levantei rapidamente e passando rapidamente pela cozinha avisei a mãe que estava indo na casa do seu João Alberto, me despedir. Sai de casa pelo portão da frente e me encaminhei para a casa ao lado. Seu João Alberto morava na casa ao lado da minha, desde meus treze anos de idade, quando mudou-se para o bairro com a sua esposa e seu filho. Dona Inês tinha falecido há três anos, deixando seu marido e seu filho sozinhos. A propósito, o nome do filho deles é Júlio. Éramos melhores, ao menos costumávamos ser, antes dele começar a namorar uma garota chamada Nátalia. Hoje eles estavam separados...

Entrei pelo portão aberto e segui entrando pelo portal de entrada da sala que também estava aberto. A sala vazia, sem móveis, sem vida. Era triste entrar ali e ver a casa deserta.

- Bom dia Lucão! – cumprimentou seu João, quando veio do fundo da casa para ver quem havia entrado. – Chega aqui no fundo... Júlio e Marlene estão lá na cozinha, arrumando as últimas coisas.

Sorri para o velho senhor, que desde sempre me tratava com muita gentileza, como se fosse seu próprio filho. Tinha um grande respeito por ele e por dona Inês, que era uma ótima contadora de história, sempre que eu chegava no final da tarde após a escola, com o Júlio. Entrei na cozinha e lá estava tia Lene, como a gente chamava carinhosamente Marlene, que era uma senhorinha com idade da minha avó, que era a secretária do lar de muito tempo da família do Júlio. Foi ela quem segurou as pontas quando dona Inês ficou doente de câncer e partiu...

Júlio ao me ver abriu um sorriso lindo e seus olhos cativantes brilharam ao me ver. Júlio estava se mudando com o pai para outra cidade e naquele domingo foram na casa para buscar as últimas coisas da mudança e para desplantar todo o jardim que dona Inês maravilhosamente tinha feito em volta da casa e que havia sido muito bem cuidado por tia Lene nos últimos anos. Eu havia prometido que ajudaria eles com o jardim. Júlio e eu fomos para fora da casa, levando pás e um caixote cheio de vasos, para plantar algumas plantas. Conversamos, rimos, nos divertimos... Nem parecia que aquilo era uma despedida. Já havíamos desplantados muitas das plantas e flores do jardim de dona Inês. Seu João Alberto fazia questão de levar as plantas de sua mulher, pois esta era a lembrança mais valiosa que ele tinha dela: o cuidado que ela tinha para com as plantas, flores, animais e pessoas. Não queria se desfazer de nada que lembrasse dona Inês.



Júlio se emocionou quando começamos a cavar o pé de uma roseira azul, planta muito especial, por ter sido uma das últimas a ser plantada pela sua mãe, antes dela ficar no estágio mais avançado da doença. Lembro-me, que há quase quatro anos atrás, Júlio e eu plantamos aquela roseira, sob as instruções de dona Inês.
Rimos relembrando... Choramos juntos de saudades...


- Não fica assim cara... Pensa que sua mãe está bem agora, que ela não está mais sofrendo... – disse, tentando consolar meu amigo.

Os últimos meses de vida da mãe dele foram dolorosos e bem sofridos. Lágrimas caíram da face daquele jovem rapaz, que era alto, pele clara, cabelos lisos, escorrendo pela testa. Ele era lindo. Terminamos de plantar uma muda de cada espécie do jardim. Estávamos sujos e já era quase uma da tarde. Minha mãe apareceu no portão, me chamando. Seu João e Marlene apareceram na frente da casa, enquanto eu e Júlio íamos lá para frente. Minha mãe convidou-os para se juntarem a minha família durante o almoço e seu João Alberto e Marlene aceitaram, uma vez que na casa já não havia mais nada. Minha mãe mandou que nos limpássemos na pia do corredor lateral, pois estávamos completamente sujos de terra.

Fomos nos lavar. Júlio estava com os braços sujos de terra, sua camisa estava toda suja e até seus rosto e cabelo estavam sujos de poeira e terra. Eu estava bem sujo também, mas nada comparado a ele. Começamos a lavar as mãos, lado a lado. Tirei o grosso da terra de minhas mãos e pedi para ele esperar, que iria pegar um sabonete para nos limparmos melhor. Voltei em poucos instantes e entreguei o sabonete na mão do Júlio... Intencionalmente, toquei na mão dele. Era a minha última chance de demostrar o que realmente sentia por ele.

- Está sujo aqui, ó... No seu braço... – disse, sorrindo, ensaboando a lateral do braço esquerdo dele. Júlio sorriu. – Eu vou sentir sua falta... – disse, agora com voz triste, desfazendo o sorriso.

- Eu também... – disse Júlio, olhando no fundo dos meus olhos.

Estávamos lado a lado. Por um instante não me refreei ao desejo que há muito tempo vinha tolhendo dentro de meu peito. Meu rosto se aproximou lentamente do rosto de Júlio e antes que eu fechasse meus olhos percebi que ele estava fazendo o mesmo. Nossos lábios se encontraram e selaram um beijo intenso e cheio de sentimentos. Ele soltou o sabonete na pia, com a torneira jorrando água e envolveu os braços em meu pescoço, ao passo que eu abracei-o pela cintura. Nossas línguas valsaram juntas, um na boca do outro e lágrimas caiam dos meus olhos ao perceber que aquele tinha sido meu primeiro e último beijo com Júlio. Paramos de nos beijar. Júlio enxugou minhas lágrimas com a mão esquerda que já estava limpa, sem deixar de me abraçar, com seu corpo colado ao meu.

- Lucas! – gritou Denise, surgindo de biquíni e toda molhada no corredor. – Ops... – disse ela, sem graça, ao ver Júlio e eu abraçados, com os rostos bem próximos. Neste mesmo instante, Júlio e eu nos afastamos e ele ficou de costas para ela, lavando as mãos, enquanto eu continuava encarando minha prima, sem graça. – O almoço tá pronto, vocês estavam demorando e a tia pediu para eu vir te chamar... – disse ela, agora com um sorriso no rosto.

Era o sinal de que tudo estava bem para ela e que este seria mais um de nossos segredos de primos.



Depois daquele dia Lucas e Júlio nunca mais se viram pessoalmente outra vez, mas cada um guardou pra sempre a memória daquele domingo e daquele beijo...



POR



Cristian Chocolath

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Cristian Chocolath